27 de out. de 2009

Metamorfosear

METAMORFOSE É AR.

Definitivamente tenho vocação para o denso, o melancólico. Não é questão de preferência, é questão de talento.

Do ineditismo (ou não inedistismo) :

Ela sentou, pousou sobre o colo a camisa que era dele. Apanhou a pena, molhou na tinta. Gesto corriqueiro e que lembrava a saliva dele molhando outras bocas. O coração batia ritmado, surgia um embrulho no estômago típico dos mal amados. A pena pesava. Ela preparou o papel, como quem prepara o bisturi pra se abrir. Tentou cuspir as palavras, mas não conseguia. Dentro dela era um rastro de sonho e de dor que compunham uma melancolia bonita. As luzes do lampião tilintavam, frágeis como era a certeza dela sobre o amor dele. A tinta nada riscava, o desespero crescia. Ela respirava ofegante, sonhava, lembrava e a luz tremia. Se não fosse a luz trêmula seria escuridão. A luz trêmula embraçava seus olhos, mas era melhor do que a escuridão. A luz uma hora se apaga. Ela sempre soube disso... O dia vem e a o lampião se apaga, e é dia. Absolvição. O papel parado imóvel, como a esperar coisas dela. Ela podia fazer como ele, reescrever coisas, redizer e ressentir. Mas não conseguia. Era dele, portanto não podia reescrever ou ressentir. A pena pesava. Ela cansou de tentar se desaguar sobre o papel. Foi então que um vazio infinito a invadiu. Um vazio de existência. Da existência forçada de viver o que é previsto. Achou tudo óbvio. Virou a cabeça pro infinito e sentiu dor. A dor da repetição. A pena já repousava no papel intocado. E ela chorou. Chorou por ela e por ele. Por se sentir como a existência, óbvia e apenas reconhecida, relida, reamada. Ouviu passos no andar de baixo que acompanhavam as batidas do seu coração e chorou. Como quem chora pra se lavar. Como quem sabe que tudo é repetição. Como quem chora de decepção. Como quem tem esperança de ser diferente, mas no fundo, bem no fundo sabe, ou desconfia que até ela era repetição.

* se rearmando para desamar


10 de out. de 2009

Lembrar

De na próxima vida se apaixonar e casar com um homem ou mulher sem filhos, pensão e ex-mulher/marido.

9 de out. de 2009

Manifesto Antipsicológico



Não me dêem explicações
que não sejam líricas ou transcendentais.
Não quero ninguém metendo o nariz
na ferida da minha memória.

Não quero decifrar fantasmas
e serei grata se permanecerem acorrentados.
Se o seu dedo está sujo de ciência,
tire as mãos da minha alma romântica.

Santidade ou masoquismo?
Não tente me extorquir intenções secretas.
E, por favor, não me tente entender
para além de minhas palavras.

Não me cobrem explicações
que não sejam líricas ou transcendentais.
Não quero ninguém metendo o nariz
na intimidade da minha neurose.

(Maria Isabel Borja)

8 de out. de 2009

Do cotidiano

Preciso de um diário de papel, preciso sentir mais matéria prima (ainda tem hífen?). Vou comprar um. Mas sei que vai cansar minha mãeo mais do que digitar. E terá um cadeado, porque às vezes inibe quando você lembra que vão ler o que você escreve. É um prazer exibicionista escrever para lerem. Acho minha escrita uma merda, mas acho boa (indagação). Me reveso entre a faxina da casa, que nunca se mantém limpa, a louça do almoço, os textos pra adaptar e a preguiça de fazer dieta; tudo isso com um dia chuvoso. Li uns textos de uma amiga ontem, achei ótimo, mas, ela também tem vergonha de mostrar. Ando insegura e não adianta dizer "segura na mão de Deus" que a coisa não passa. Tem umas questõezinhas antigas que não tô com paciência pra tocar nelas. Ontem entrei no ônibus e havia um menio de rua sentado logo depois da roleta com a cara retalhada. Era um retalho grande, mas grande mesmo que cruzava um olho de cima à a baixo com linhas grossas e pretas. Tinha uma coisa de sangue pisado, ainda rubro. Ficou um rasgo em mim de ver o rasgo. Mas não era só uma rasgo de cara, devia ser também um rasgo de alma. Confesso com um pouco de vergonha que passei ao lado do menino com rasgo segurando a bolsa pelo corredor do ônibus com medo de que ele pegasse. Mais ou menos como quando passo perto de um gato e sempre acho que ele agilmente vai me atacar (daí não adianta segurar a bolsa). Eu tenho esses medos bobos. Ando com vários deles. Quase os mesmos de sempre, mas alguns novos. É, são medos bobos... minha avó se soubesse de algum deles diria: - Pára de besteira menina! Fica pensando bobagem, eu hein! Acho que não terei minha avó por muito mais tempo pra minimizar meus medos. Isso me dá muito medo e dói. Dói de pensar. Tem coisa que a gente sente só de pensar. O pensamento invade e vira tátil, ganha corpo e com o corpo de pensamento toca nosso próprio corpo. Pensamento é corpo criado por nós. O pensamento dos outros nem sempre toca a gente, mas o nosso próprio... Nosso próprio? Tá certo isso? Fica o rasgo na minha cabeça, metaforicamente falando (Deus me livvre!), assim como "dar a alma para ter os olhos" no e-mail. Tem coisa que fica mesmo quando a gente não quer. Acho que nesta tarde estou numa infatilidade tão sábia. Não quero parar de escrever. Acho que vou pegar um cachorro. Mas transar com meu marido com um cachorro em casa deve ser constrangedor. Acho que vou perder a liberdade sexual se pegar um cachorro, vou me sentir tolida (é com lh?). Melhor não, não agora. Penso em passado às vezes. Não de querer voltar, mas de pensar só de pensar. Em todo tipo de passado. Principalmente na infância. Dá saudade, aquela saudade boa. Acho que escrevo pra aliviar os pensamentos, deixar os corpos de pensamentos de medo bem fraquinhos pra que não possam me tocar.